“Passarinho que nasceu
Diferente do irmãozinho
Um receio te prendeu
Nunca quis sair do ninho.
Passarinho que cresceu
Se jogou, de asa aberta
Levantou o primeiro vôo
É assim que se liberta.
Passarinho entre as nuvens
Vê qualquer forma nascer
Coelhinhos, vampirinhos,
Tô com medo, vou descer.”
É só fechar os olhos com força. Pequenos raios na sua mente-tempestade iluminam bem lá no fundo da retina, desenhando os garranchos que escrevem a pequena história inventada. Sempre, num sempre intenso igual imaginação de criança, sonhou em voar.
Às vezes, bem às vezes, alguém abre a porta da frente e a luz do sol invade tudo correndo, dando banho em quem não vê claridade há tanto tempo. Junto, entra gente desconhecida. Ela se encolhe, desconfiada. Passam-lhe a mão na cabeça. Que agrado cuidadoso.
A comidinha fria chega pouca, dia a dia no mesmo horário, entre as grades da gaiola. O chão vai ficando sujo, sujo. Quem esqueceu de botar o jornal? A água, sempre morna. Dá pra beber, delícia essa aguinha morna. E nessa bacia ainda posso me ver no espelho. Nossa, de quem é esse rosto na minha cabeça?
Papai e mamãe se foram, junto com a estação mais quente. O mundo, em êxodo, voou atrás de alguma nuvem de coelhinho. Com saudade do ninho pia rouca, desafinada. Olha, ela tá cantando, tá cantando… que lindeza a natureza, né? Que fedido tá meu cabelo… mas tudo bem, a gente tem que dar valor em desejo realizado. Sonho dado não se olha os dentes.
Espero que dure pra sempre, que nunca acabe, que daqui até o infinito eu ainda vou num rasante só. Cadê a corrente? Ah, tá aí. Enquanto o ferro e o cadeado me prenderem pelo pé, é porque eles sabem. Sabem que posso voar. Que sou passarinho…